quarta-feira, 4 de março de 2009

CRUZ E SOUZA E OS PARANAENSES


Cruz e Sousa (1861-1898), o grande poeta brasileiro -- considerado a maior expressão do Simbolismo no Brasil, juntamente com Alphonsus de Guimaraens – contou em vida, e depois de morto, com o apoio e a dedicação de alguns escritores paranaenses, como mostram as informações biográficas levantadas por Andrade Muricy e R. Magalhães Júnior.

Emiliano Perneta (1866-1921), que muito o admirava, era em 1890 um advogado recém-formado e vivia no Rio de Janeiro dos parcos recursos que a atividade jornalística lhe proporcionava. Magalhães Jr. descreve (em “Poesia e Vida de Cruz e Sousa”, 3ª. ed., Civiliz. Brasileira/MEC, 1975) a precariedade da situação econômica de um grupo de jovens literatos, os primeiros simbolistas, residentes na então Capital Federal. Emiliano era redator-secretário da “Folha Popular”, e auxiliou Cruz e Sousa a obter emprego na imprensa carioca, viabilizando assim a sua mudança definitiva para o Rio de Janeiro, no final de 1890. Os dois integraram o primeiro grupo simbolista, nos quais se destacava, como figura mais conhecida, B. Lopes, dele fazendo parte também o catarinense Oscar Rosas, colega dos bancos escolares de Cruz e Sousa. Logo depois, Emiliano se transferiria para Minas Gerais, onde, graças à proteção do político João Pinheiro, ocuparia os cargos de promotor e juiz municipal, durante algum tempo, acabando por retornar ao Paraná, em 1895. Outro paranaense radicado no Rio, Emílio de Menezes (1867-1918), mantinha uma boa relação com o grupo simbolista, sendo inclusive citado, às vezes, como a ele pertencente. As relações entre Emílio e Cruz eram boas, tendo este se beneficiado, inclusive, da generosidade daquele. Mas como Emílio não se dava com seu concunhado Nestor Vítor, e pela sua maledicência, Cruz acabou afastando-se dele.

Todavia, foi com o parnanguara Nestor Vítor (1868-1932) que Cruz e Sousa conviveu mais. O crítico do Simbolismo, florianista, vice-diretor do Colégio Pedro II, era o amigo íntimo que conviveu com o poeta até o fim dos dias deste. Quando Cruz ainda residia em Santa Catarina, pouco antes de deixar Desterro (atual Florianópolis), em 1890, Nestor fez uma viagem àquela cidade só para visitá-lo. Ele percebeu a importância do poeta bem cedo, numa época inteiramente dominada pelo parnasianismo.

Dadas as suas relações com os partidários de Floriano Peixoto, foi provavelmente Nestor, segundo Magalhães Jr, quem ajudou Cruz a conseguir um emprego de arquivista na Estrada de Ferro Central do Brasil, emprego modesto, mas que, pelo menos, proporcionou ao poeta recém-casado uma remuneração
estável. Nestor foi solidário em todas as horas difíceis do poeta, que sofria as humilhações decorrentes do preconceito racial, a zombaria e o sarcasmo dos parnasianos, as dificuldades materiais, a insanidade temporária de Gavita... Quando a tuberculose se manifestou, de forma galopante, alguns meses antes da morte de Cruz, a dedicação de Nestor Vítor foi exemplar, como mostrou Magalhães Jr., que chama atenção para o fato. A doença o levou antes de Cruz completar 37 anos de existência, em 19 de março de 1898. Foi a Nestor Vítor que ele entregou os originais de “Evocações” (1898), “Faróis” (1900) e “Últimos Sonetos” (1905), todos publicados postumamente, graças aos esforços desse amigo fraternal, a quem o poeta dedicou, pouco antes de falecer, o comovente “Pacto de Almas”, um conjunto de três sonetos.

Os dois se completavam, pois enquanto Nestor era o pensador erudito, o crítico, Cruz se orgulhava da sua sensibilidade, chegando a afirmar certa vez: “não me orgulho do que sei, mas sim do que sinto” (R.Magalhães Jr, op. cit., p. 276).

Há um outro paranaense que, embora de uma geração posterior, também acabou associando seu nome ao do Cisne Negro. Trata-se de Andrade Muricy (1895-1984), autor do clássico “Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro”, em três volumes (INL, 1952). Muricy, que recebeu de Nestor Vítor o arquivo de Cruz e Sousa, reuniu na “Obra Completa” deste, publicado pela editora Aguilar, em 1961, muitas composições inéditas do poeta, que associadas àquelas descobertas posteriormente por Magalhães Jr. e integrantes de seu livro antes citado, constituem tudo o que se conhece da produção poética de Cruz. Aliás, coube a Andrade Muricy desfazer o mito de Cruz e Sousa “nefelibata”, alheio aos problemas de sua raça. Ele recolheu, na “Obra Completa”, vigorosas composições abolicionistas que, todavia, não foram incluídos nos livros pelos quais o poeta ficou conhecido certamente porque, segundo Muricy, perderam a significação, após ser declarada a abolição da escravatura, em 1888 (lembremos que os únicos livros publicados em vida do poeta, “Missal” e “Broquéis” – se excetuarmos “Tropos e Fantasias”, em parceria com Virgílio Várzea --, só o foram em 1893. Aqueles livros assinalam, como se sabe, o início do Simbolismo entre nós). Mas mesmo a obra publicada não era tão alheia assim à problemática social dos sofredores, negros e pobres... como se vê na “História Concisa da Literatura Brasileira” de Alfredo Bosi.

Do grupo de amigos próximos a Cruz, no final da vida deste, fez parte ainda o morretense, radicado no Rio de Janeiro, Silveira Neto (1872-1942), o futuro autor de “Luar de Inverno”. Ele era pai do poeta curitibano Tasso da Silveira (1895-1968), estudioso e admirador da obra do Cisne Negro.

Um contemporâneo nosso, Paulo Leminski (1944-1989), também revelou-se admirador do “negro branco”, escolhendo-o como tema de um livrinho instigante lançado em 1983 pela Brasiliense, na coleção Encanto Radical. Nele, Leminski chama a atenção para a modernidade contida nos versos singulares do grande poeta catarinense.
(Publicado no "Jornal da Biblioteca" nº 6, dez. 2005)

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