sexta-feira, 13 de março de 2009

"A TERRA DO FUTURO", DE NESTOR VITOR



“A Terra do Futuro (Impressões do Paraná)” é um livro escrito em 1912 e decorre da aceitação de uma proposta de trabalho feita por Nestor Vítor ao governo Carlos Cavalcanti, que se iniciou naquele mesmo ano. Consiste numa caracterização geral do Paraná como ele então se apresentava em termos físico-territoriais, econômicos e sociais, indicando problemas e potencialidades. Sobre essa realidade a nova administração estadual já começava a atuar, e o livro contém várias referências aos planos governamentais em andamento. Seu autor, Nestor Vítor- NV (1868-1932), jornalista e escritor de prestígio nacional, nascera em Paranaguá mas vivia no Rio de Janeiro há muitos anos. Publicara em 1911 um livro de natureza semelhante sobre Paris, e essas “impressões de um brasileiro”, elogiadas por Sílvio Romero e outros críticos, certamente o inspiraram a fazer tal proposta ao governo paranaense, pela qual seria remunerado. Assim, “A Terra do Futuro” primeiro apareceria em artigos no “Jornal do Commercio” do Rio (conforme a idéia inicial da proposta) e posteriormente sob a forma de livro, editado na então Capital Federal em 1913.
A obra circunscreve-se aos limites territoriais do Paraná (cuja superfície incluía o território contestado por Santa Catarina), descrevendo-o geograficamente e referindo-se aos seus antecedentes históricos.
Para realizar a sua tarefa, NV baseou-se 1) na observação direta do que via (e do que vira vinte e cinco anos antes, incorporando assim no texto as suas impressões pessoais decorrentes dessa comparação); 2) nas informações prestadas pelas diversas personalidades que entrevistou (empresários, dirigentes governamentais, intelectuais), muitas delas hoje nomes de rua, o que permite ao leitor travar conhecimento com tais pessoas em plena atividade; e 3) em publicações disponíveis sobre o Paraná, de estudiosos como Sebastião Paraná, Romário Martins, Domingos do Nascimento etc. O livro é de leitura fácil, e inclui os diálogos mantidos com aquelas personalidades, contendo informações estatísticas ou de outra natureza sobre o assunto em discussão.
“A Terra do Futuro” contém 16 capítulos, cuja organização reproduz grosso modo o itinerário seguido pelo autor em sua viagem ao estado natal, onde passaria trinta e tantos dias recolhendo subsídios para o livro.
Ao longo da obra, o leitor obtém uma visão geral do território paranaense então ocupado, o que excluía, a rigor, as regiões norte, oeste e sudoeste. O Paraná contava em 1912 apenas 47 municípios, e o município de Guarapuava, sozinho, representava um quarto do território estadual.
NV chega a Paranaguá num “vapor costeiro”, procedente de Santos. E é por aí que ele inicia o relato de sua viagem. Os três primeiros capítulos referem-se a Paranaguá e ao litoral oceânico, onde também se inicia a história do Paraná. Assinala que Paranaguá já foi a cidade marítima mais importante de todo o sul do Brasil, de Iguape até o rio da Prata. E ainda em 1853, ano da nossa emancipação política, Paranaguá era mais importante que Curitiba, tanto demografica quanto economicamente.
No cap.4, o autor refere-se à “região fluvial quente”, uma vasta região que abrange as terras do Assungui, do Tibagi, do “florescente extremo norte” (região de Jacarezinho, Ribeirão Claro, Tomazina etc que sofrera a invasão de paulistas e mineiros e onde se desenvolvia rapidamente a cafeicultura) e a zona oeste, então completamente inexplorada.
Todo o capítulo seguinte é dedicado à descrição detalhada da “subida da serra” pela estrada de ferro Paranaguá-Curitiba.
Os capítulos 6 a 12 tratam de Curitiba e sua área de influência. Inicialmente (cap. 6), o autor trata da “velha Curitiba”, que se tornou vila em 1693 (Paranaguá já o era desde 1648) e sede de comarca, em substituição a Paranaguá, em 1812, quando ainda pertencíamos à província de São Paulo. Curitiba, para NV, se desenvolveria principalmente em decorrência da construção da estrada da Graciosa e da vinda de imigrantes europeus, que se estabeleceram nos arredores da cidade e passaram a abastecer “fartamente” o mercado da capital com produtos alimentares. A Curitiba de então -- que em 1912 tinha uma população entre 60 e 70 mil, incluindo os arredores -- é abordada em seguida sob diversos aspectos, tais como o dos “aspectos físicos e condições de vida” (cap.7), em que é salientada a modificação arquitetônica pela influência alemã, o dos “aspectos industriais” (cap.8), em que se destacavam os engenhos do mate, Muller & Irmão, a fábrica de pianos Essenfelder dentre outras plantas existentes, e o dos “aspectos sociais e intelectuais” (cap. 9). NV elogia aqui o círculo literário constituído em Curitiba, “o mais ativo e distinto de quantos existem no Brasil, excetuando o do Rio”, importante desde a fundação da revista “Cenáculo” em 1895. E arrola os nomes que mais se destacavam então nas letras paranaenses (poesia e prosa). O cap. 10 é sobre os “arredores e subúrbios” de Curitiba, que ele visita acompanhado por Emiliano Perneta. As “colônias” são o tema do capítulo seguinte. Havia então 20 colônias agrícolas localizadas nos arredores de Curitiba (das quais as principais eram Santa Felicidade, Argelina, Riviere, Santa Cândida, Abranches e Antônio Prado) e 9 em São José dos Pinhais (com destaque para Tomaz Coelho e Muricy). Dessas, NV visita as colônias Muricy e de Santa Felicidade. Em 1912, o Paraná contava 113 núcleos coloniais, sendo 9 federais, 78 estaduais, 14 municipais e 12 particulares. O cap. 12 trata da “zona de influência” de Curitiba. Além de três cintos, formados pelos subúrbios e colônias em torno da cidade, NV usa a imagem de um ângulo obtuso para ilustrar sua área de influência, ângulo com vértice em Rio Negro, de um lado alcançando Cerro Azul e de outro, Porto União. Estradas de rodagem (e não mais caminhos para “cargueiros”, i.e. bestas de carga) ligavam Curitiba a Antonina, à Lapa, a Mandirituba e a Itararé. A estrada Curitiba-Palmeira-Ponta Grossa, conhecida como “estrada de Mato Grosso”, fora concluída em 1882. Quanto às estradas de ferro, além da linha Curitiba-Paranaguá, inaugurada em 1885, ocorreu o seu prolongamento até Ponta Grossa já no período republicano. Em 1900 inaugurou-se o primeiro trecho da estrada de ferro São Paulo-Rio Grande, e em 1909 essa estrada permitia a ligação ferroviária do Rio de Janeiro com Porto Alegre.
O cap. 13 trata dos “velhos Campos Gerais”. Partindo de Curitiba, NV viajou de trem para Ponta Grossa, ponto de convergência de linhas férreas, que punham em comunicação São Paulo e o Rio Grande do Sul com Curitiba e Paranaguá. NV visitara a região vinte e cinco anos antes, i.e. por volta de 1887. Nota que Ponta Grossa progrediu muito desde então, principalmente depois da estrada de ferro. Mas já a construção da estrada de Mato Grosso melhorara muito a situação da região. Castro, destino final de NV naquela primeira viagem, é a mais antiga povoação dos Campos Gerais (freguesia em 1774 e vila em 1789; Ponta Grossa só se tornaria vila em 1855). Em Castro só ficavam os negociantes, os empregados públicos... e os “madraços” (vadios). Os homens mais importantes, com suas famílias, passavam a maior parte do tempo nas suas “estâncias de criar”. O habitante daquela região tinha mais semelhança com o riograndense do que com o paulista. As bestas do Rio Grande engordavam ali para depois serem vendidas na feira de Sorocaba. NV refere-se ainda à região de Guarapuava, cuja conquista definitiva só se daria em 1810, com a expedição de Azevedo Portugal. Depois disso, começaria o povoamento dos Campos de Palmas.
O próximo capítulo é sobre “A nova Ponta Grossa”. NV registra inicialmente o fato de que se vinha construindo muito em Ponta Grossa nos últimos dez anos. Devido às ligações ferroviárias, o comércio de Ponta Grossa tinha então relações mais intensas com São Paulo do que com Curitiba. Além das oficinas da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, havia ali diversos estabelecimentos industriais. Ponta Grossa estava ligada por estrada de rodagem a Guarapuava, no terceiro planalto, o que facilitava as relações comerciais entre as duas cidades. Também se ligava a Tibagi por estrada. Ponta Grossa era então o centro do comércio no interior do Estado. NV representa sua área de influência por um triângulo isósceles formado por Jaguariaíva-Guarapuava-São Mateus-Jaguariaíva.
NV dedica todo o cap.15 aos aspectos mais curiosos e de interesse turístico da nossa natureza, referindo-se aos sambaquis, a diversas grutas, aos Buracos e Vila Velha, às ruínas e vestígios da República Teocrática de Guairá e, com maior destaque, às cachoeiras do Paraná.
O último capítulo aborda “O momento atual”. O Paraná em 1912 vivia uma ”crise de progresso” (o Estado estava importando gêneros de primeira necessidade). Mas isso ocorria porque os braços disponíveis estavam todos empregados na construção de estradas de ferro, na indústria de madeiras, na erva mate e na plantação de café no nordeste do Estado, em franca expansão, por não haver aqui as restrições que havia no lado paulista.. E o Estado nesse ano continuava a receber imigrantes, especialmente polacos e italianos... Aliás, a expressiva imigração européia singularizava a população do Paraná perante as outras unidades da Federação. A menor participação dos negros e pardos nessa população é várias vezes salientada por NV, que a considera um aspecto “favorável” do Estado. Essa é uma concepção inaceitável hoje em dia. Mas o preconceito racial de NV era o de sua época, baseado em argumentos pseudo-científicos...
Concluído seu trabalho, NV segue para São Paulo pela estrada de ferro Ponta Grossa-Itararé, interligada à Sorocabana, primeira parte de sua viagem de retorno ao Rio de Janeiro. Não havia baldeação alguma entre Curitiba e São Paulo, pois a Brasil Railway administrava tanto a Sorocabana quanto a São Paulo-Rio Grande, e também as estradas de ferro do Paraná. A propósito, a Lumber Company, que se instalou aqui em 1908 para explorar a madeira, era uma das subsidiárias da Brasil Railway. NV estava ciente de que o Código Florestal, aprovado em 1907 (“et pour cause”...), não seria cumprido por ela. Os inúmeros pinheiros abatidos pela Lumber, que levavam cem anos para atingirem o seu completo desenvolvimento, não seriam repostos...
(Publicado no "Jornal da Biblioteca" nº 2, mar-mai 2004)

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