quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013






T.S.Eliot quando jovem


DEZ OBSERVAÇÕES SOBRE
"A CANÇÃO DE  AMOR DE J. ALFRED PRUFROCK
DE  T. S.  ELIOT


(um livro contendo comentários mais extensos sobre esse poema, a sua tradução em português e a transcrição do poema original poderá ser adquirido em http://www.agbook.com.br/book/141321--A_CANCAO_DO_JOVEM_TSELIOT)

  

1. "A Canção de Amor de J. Alfred Prufrock" do poeta anglo-americano T.S.Eliot (1888-1965), escrito quando ele tinha apenas 23 anos, é considerado o primeiro de seus melhores poemas. Nele se observam características da sua obra poética posterior, e serve por isso de introdução a essa mesma obra.  

2. O poema não é linear quanto ao que pretende dizer. Todavia, infere-se, não só pelo título mas também por múltiplas sugestões dos  versos, que seu tema central é o do relacionamento de Prufrock com as mulheres, e uma delas em especial (aquela individualizada no v. 96 e 107). Ao longo do texto, percebe-se também que há nele uma crítica à sociedade em geral (independentemente de classes sociais) pela predominância de falsos valores e a perda de seu sentido maior, humanista.  E há uma crítica também à sua própria classe social, presa das convenções e frivolidades.  Em suma, é um poema que reivindica a recuperação da dignidade humana e a exploração de todo o nosso potencial de vida. 

3. O poema é concebido como uma peça de ficção. Quem fala (na primeira pessoa) é um personagem inventado por Eliot, chamado J.Alfred Prufrock, já não tão jovem, cujo nome é mencionado apenas uma vez (no título), e soa um tanto ridículo aos ouvidos anglo-saxões, segundo um comentarista. Esse personagem pertence a um meio refinado, frequentador habitual de suas residências, que se veste apuradamente. Mas ele também conhece o outro lado da sociedade, de “hotéis baratos” e “homens solitários em mangas de camisa”, a zona licenciosa da cidade. Trata-se de um personagem hesitante, tímido, enfadado das reuniões de seu círculo social e de seus chás literários (expresso por um verso magnífico: “I’ve measured out my life with coffee spoons”- v. 51), que jamais explicita a “questão opressiva” que o aflige, várias vezes mencionada no poema. A impressão que se tem é que se trata de um pedido de casamento, mas a questão é mais complexa do que essa (abrange também um questionamento do meio social).  Ao longo do poema, Prufrock vai se referir (explicita ou implicitamente) a outros personagens, de existência literária, quer do teatro elizabetano (Hamlet, Polonius, o Bobo, o Lacaio), quer da Bíblia (João Batista, Lázaro).  

4. O poema ecoa, além de passagens da Bíblia,  versos de outros poetas,  de autoria não apontada, como Dante, Shakespeare, Andrew Marvell, John Donne, Emily Dickenson etc mas identificada pelos comentaristas.  Eliot utiliza inovadoramente as citações de modo a incorporar em seu poema as conotações que elas trazem consigo  (assim como as dos personagens referidos no item anterior).  A citação da “Divina Comédia”, sem indicar a autoria, já aparece na epígrafe, e é funcional ao desenvolvimento do poema, pois o mundo subterrâneo onde está Dante-personagem e seu interlocutor no 8º círculo do Inferno é associado à subjetividade de Prufrock, cujo “inferno” não é expresso pela imagem do ambiente subterrâneo e sim submarino.

5. O poema prefere sempre sugerir a afirmar inequivocamente. Influenciado pelos simbolistas franceses, Eliot prefere sempre manter a dubiedade das situações, carregadas de múltiplos significados, deixando para o leitor a tarefa de ordenar aquelas impressões para atribuir um determinado sentido aos versos, o que tentei precisar acima (item 2). Já no primeiro verso (“Let’s go then you and I”) essa dubiedade está presente, pois o “you and I” tanto pode ser entendido como Prufrock e seu “eu para os outros” (uma vez que o poema mostra seu “eu” dividido em dois, um para ele mesmo e outro para efeito externo) quanto pode ser entendido como se referindo a ele e seu leitor.  Aparentemente,  Prufrock vai sair de casa para fazer a sua visita social. Mas não há certeza de que isso de fato ocorre no mundo real. Todo o monólogo em que consiste o poema  pode ser visto como apenas especulação do protagonista, o seu “fluxo de consciência”. De fato, ele nem chegaria a sair de casa, como afirmam muitos comentaristas.   

6. O poema tem um caráter fragmentário, de descontinuidade. Assim,  após referir-se à visita a ser feita, vem: “In the room the women come and go/ Talking of Michelangelo”. Supõe-se que isso ocorra na casa a ser visitada. Essa ligação é feita pelo leitor, ela não é dita explicitamente pelo autor. Há semelhança aqui com o corte cinematográfico, a passagem de uma cena para outra sugerindo simultaneidade e relação da situação anterior com a posterior. Sabemos que na época da elaboração do poema o cinema desenvolvia rapidamente a sua linguagem, o que permite supor um influência da chamada Sétima Arte sobre a técnica poética do nosso autor. A descontinuidade também é indicada pelos sinais gráficos (pontos que indicam supressão) que ocorrem várias vezes no poema.   

7. O poema se apoia fundamentalmente no aspecto visual, i.e. nas imagens, o que é evidenciado por diversas passagens, como a metáfora do inseto fixado na parede (para mostrar que as pessoas do seu círculo social o fixam numa frase ou fórmula, sem conhecê-lo realmente) ou as imagens marinhas do final do poema, que bem ilustram o seu mundo de fantasia, onde o tímido Prufrock se refugia ao frustrar-se em se afirmar no mundo real, o mundo dos seres verdadeiramente vivos.

8. O poema dá vez e voz ao anti-herói.  Prufrock reconhece que teve medo em levantar a sua “questão aflitiva”, ao não fazer a sua proposta de casamento (por medo de rejeição) e não questionar, ao mesmo tempo, os valores de seu meio social (recusando-se a ser ele mesmo). Assim, tanto com relação ao coração quanto à razão, ele se frustra em afirmar-se como ele próprio no mundo real. Deixa  passar o seu “momento de grandeza”, quando seria realmente um ser vivo (e não o morto-vivo do mundo de sonho, onde vive sua pseudo-vida e se encontra protegido).  Na sua hesitação, ele se  identifica não a Hamlet mas a Polonius, o lorde assistente, “Cheio de alta retórica, mas um pouco obtuso/ Às vezes, na verdade, quase ridículo”, objeto de risinhos reprimidos do Lacaio. A poesia passa assim a refletir a personalidade de um ser humano comum, com seus defeitos e qualidades.  

9. O poema adota uma linguagem peculiar, coloquial, irônica e não afetada. Prufrock, por exemplo, fala da “mancha de calvície” no meio de seus cabelos quando vê sua cabeça ser trazida ao rei numa travessa, como a de João Batista. Assim, intencionalmente, Eliot desmonta o discurso -- que pela tradição seria mais formal ao tratar de certos temas -- por meio de referências banais. O mesmo ocorre com “I grow old...I grow old/ I shall wear the bottoms of my trousers rolled”. Aqui, o anti-herói, ao mesmo tempo que constata a passagem do tempo, preocupa-se com a bainha de suas calças...  Todavia, bem no final do poema, a linguagem torna-se lírica e mais elaborada ao explorar as imagens marinhas relativas à subjetividade do morto-vivo Prufrock, associadas à água, com suas conotações de vida e morte.

10. O poema caracteriza-se pela sonoridade cativante dos versos, que decorre do emprego peculiar da rima e do uso de outros recursos. Os versos são, geralmente (mas não sempre), rimados dois a dois. Às vezes, possuem também rimas internas. Não adotam um número de sílabas uniforme. Isso fica na dependência do ritmo próprio que Eliot imprime aos versos. O poema assim não adota nenhuma forma fixa nem estrofes convencionais. Mas em certas passagens há uma concentração de sons sibilantes que contrastam com outros, de sons mais ásperos.  


OBS: "The Love Song of J.Alfred Prufrock", declamado pelo próprio Eliot, pode ser ouvido em http://www.youtube.com/watch?v=JAO3QTU4PzY